Fernando Pellon


Com um estilo muito peculiar de compor, Fernando Pellon deu início à sua carreira artística em 1974, aos 18 anos de idade. Apesar de não tocar nenhum instrumento musical, é autor de músicas que apresentam resultados melódicos inusitados. Dono de um raro talento poético-musical, foi citado por Aldir Blanc como um mestre da canção e um compositor “extraordinário”, cujas composições são “diferentes de tudo que rola por aí com máscara de muderno”.

A partir do final da década de 1970, até o início dos anos 80, participou do coletivo de compositores Malta D’Areia, sediado em Niterói, do qual faziam parte Paulinho Lêmos, Roberto Bozzetti, Renato Calaça, Tunico Frazão, Fátima Lannes, Cássia Bonturi e Paulinho Leitão. Com este grupo montou diversos espetáculos, entre os quais "João maus costumes" e "Onde é que cabe um circo" (musical infantil), além de produzir o curta-metragem "É Miquelina, minha mulher".

Pellon nasceu em Barbacena (MG), em 1956, mas veio cedo com sua família para o Rio de Janeiro, e se tornou carioca de coração adotando a Cidade Maravilhosa como cenário inspirador de suas canções. Desde a infância, no Grajaú , bairro da Zona Norte da cidade, viveu em um lar onde se ouvia muita música popular brasileira, começando pelos discos de 78 rotações.

O repertório era farto: baião, samba, bolero e fox nas vozes de Luiz Gonzaga, Orlando Silva, Sílvio Caldas, Angela Maria, Elizeth Cardoso, Ciro Monteiro, Miltinho, Isaurinha Garcia, Paulinho da Viola e Martinho da Vila, dentre outros. Além disso, seu pai era amigo de Sinval Silva, que tocou em muitas serestas no quintal de sua casa.

 

Disco premiado

Fernando Pellon tem um LP e dois CDs gravados, todos com base em um estilo muito peculiar de compor. O primeiro foi “Cadáver pega fogo durante o velório”. Produzido pelo jornalista e crítico musical Roberto Moura, o disco foi lançado em 1983 pelo selo independente Vento de Raio. Até o momento, é o trabalho de maior repercussão da sua carreira, tendo sido agraciado com o troféu Chiquinha Gonzaga (1983), da Associação dos Produtores Independentes de Discos (APID).

O disco é composto por nove canções de Fernando Pellon e os parceiros Paulinho Lêmos e Renato Costa Lima. O show de lançamento ocorreu no bar O Viro da Ipiranga!, no bairro de Laranjeiras, (Zona Sul do Rio). O repertório apresenta sambas e choros, interpretados pelo próprio Pellon, com as participações especiais de Paulinho Lêmos, Sinval Silva, Nadinho da Ilha e Cristina Buarque.

O disco destaca-se, também, pela base instrumental formada por Raphael Rabello (violão sete cordas), Helvius Vilela (piano), Marcelo Bernardes (sopros), Oscar Bolão (bateria) e o violonista João de Aquino, músico responsável pela maioria dos arranjos. A arte do LP é um trabalho inusitado que traz manchetes do extinto jornal Ultima Hora que dialogam com as temáticas das letras.

O projeto gráfico do disco foi ousado para os padrões da época. A capa traz as fotos dos cinco intérpretes imitando cartazes dos procurados pelo regime da ditadura militar (1964-1985). O texto de apresentação foi escrito pelo jornalista Tárik de Souza.

Lançado no período ditatorial brasileiro, “Cadáver pega fogo durante o velório” atravessou os sombrios e complicados desvãos da Censura Federal, com uma de suas faixas vetada.O veto foi derrubado no Conselho Superior de Cultura, em um longo processo que durou cerca de oito meses, com o apoio do pesquisador Ricardo Cravo Albin. Felizmente, o talento venceu, o disco virou cult e continua sendo muito bem avaliado pela crítica musical e cultuado, inclusive, pelos fãs de rock.

Outra curiosidade sobre “Cadáver pega fogo durante o velório” é que o disco faz parte da série on-line da Multimistura - Rádio UFMG Educativa (1983), como um dos quatro discos brasileiros “clássicos, importantes e influentes” de cada ano, a partir de 1965. Nesta seleção, Fernando Pellon aparece ao lado de Gang 90 & as Absurdettes, João Penca e Seus Miquinhos Amestrados e Ritchie. O resultado final do disco rendeu a Fernando Pellon inúmeras citações de admiradores e críticos musicais, em praças como São Paulo, Paraná e Minas Gerais.


Os poetas tijucanos

Em 2010, Fernando Pellon voltou ao estúdio e gravou o CD “Aço frio de um punhal”, em nova produção independente. O lançamento foi no Bar Cariocando, no bairro do Catete (Zona Sul do Rio), em 6 de dezembro de 2011. O trabalho reúne 12 músicas de sua autoria, algumas em parceria com Paulinho Lêmos e Tuke, interpretadas por ele próprio e a cantora Valéria Ferro. Jayme Vignoli assina os arranjos e a direção musical. A produção ficou a cargo de Tunico Frazão, antigo companheiro do grupo Malta da D’Areia.

Sempre trabalhando com um time de músicos de primeira, Fernando Pellon convidou para participarem do CD craques como Marcelo Bernardes (sopros), Jayme Vignoli (cavaquinho), Oscar Bolão (bateria e percussão), Rui Alvim (clarinete), Marcílio Lopes (bandolim), Rogério Caetano (violão de 7 cordas) e Luiz Flávio Alcofra (violão). O projeto gráfico é luxuoso e segue um padrão mórbido que tanto rodeia as letras do compositor.

Na primeira página do encarte, o mestre Aldir Blanc assim resume a proposta musical de Fernando Pellon: "Ele se move à vontade nesse universo de beleza infame. Na cama, no carro, no beco escuro, a carícia mais sincera às vezes vem no aço frio de um punhal".

Em outubro de 2016, Fernando Pellon lançou o terceiro CD “Moribundas vontades”, em mais uma produção independente caprichada, com arranjos e direção musical de Jayme Vignoli. Trata-se do terceiro trabalho autoral do artista, que segue construindo um raro acervo musical.


Parceria com Augusto dos Anjos

Essa produção é um retorno ao projeto que deu início à sua carreira musical, com o objetivo de alcançar o resultado a que ele se propunha: a evolução estética do seu trabalho. Quando lhe perguntam qual dos seus CDs ele considera o melhor de suas produções ele diz que “os três discos se complementam como parte de um percurso estético em evolução”.

Nesse disco, o compositor estabelece um diálogo com a poesia de Augusto dos Anjos. O traço comum na construção poética dos dois autores está na ligação deles com o vermelho sangue, e “a busca visceral por uma poética singular e transgressora”, nas palavras do próprio Fernando Pellon.

Moribundas vontades” conta com mais uma caprichada produção independente, com arranjos e direção musical de Jayme Vignoli. O CD reúne 12 composições, oito delas com letras e melodias do próprio Fernando Pellon: “Moribundas vontades”, “Na sórdida mesa de um botequim”, “Cheirando a formol”, “Samba de São Thiago (Thiago, 5 – 1,6)”, “Falsa cleptomania”, “Noites desnúpcias”, “Loucos varridos ou Torquato&Walter passeiam na rua do Aldir” e “De forma insuspeita”.

As outras quatro músicas foram feitas em parceria. Da união com Paulinho Lêmos, radicado em Barcelona, temos “Sangue venoso”; “Ronda carioca”, na voz da cantora Fátima Guedes; e “Elzira a morta virgem”, cantada por Rose Maia. A faixa que encerra o CD é “Mantra de samba”, uma parceria com Augusto dos Anjos, cujos versos do poema “Queixas noturnas” Fernando Pellon diz que musicou “com intenção obsessiva”.

Com as participações especiais de Cristina Buarque de Holanda, Marcos Sacramento, Marquinhos Sathan, Mariana Bernardes, Alice Passos e as já citadas Fátima Guedes e Rose Maia “Moribundas vontades” é um CD com várias referências musicais e poéticas de autores com os quais Fernando Pellon se identifica, cujos nomes e versos compõem o catálogo do disco: Aldir Blanc, Jards Macalé, Paulo Vanzolini, Sérgio Sampaio, Torquato Neto, Walter Franco, além do poeta Augusto dos Anjos.

Fernando Pellon encara a música como um destino, que ele no seu jeito manso e alegre de ser consegue conciliar com tranquilidade com a carreira de geólogo. Pelo conjunto da sua obra, em dezembro de 2016 virou verbete do “Dicionário da Música Popular Brasileira” (http://dicionariompb.com.br/fernando-pellon), prestigiada publicação de referência musical organizada pelo Instituto Cravo Albin.