Ao perceber que este artigo traz de volta à pauta o disco “Cadáver pega fogo durante o velório” alguém pode estar se perguntando se Fernando Pellon é um compositor de um disco só. Lançou esse trabalho genial e depois disso entrou em crise criativa e parou de compor.
Pelo contrário, Fernando Pellon nunca parou, suas letras e melodias continuam fluindo e com isso ele já lançou outros trabalhos musicais elogiados, como “Aço frio de um punhal”, “Moribundas vontades” e “Medula e osso”. No momento, ele inclusive está preparando o repertório do próximo álbum que será dedicado totalmente às canções elaboradas no período em que ele participava do coletivo de artistas Malta da Areia.
O fato é que já se passaram mais de 40 anos desde o seu lançamento em 1984 e o disco, considerado um dos melhores trabalhos musicais independentes do Brasil, se tornou um vinil cobiçado, que continua despertando curiosidade e debates de apreciadores de música em todo o país.
Recentemente quem se encantou com os “sambas trash” de “Cadáver pega fogo durante o velório” foi a turma do Sonzeira da Massa, projeto de música de São Paulo que engloba banda, podcast, artes visuais e que também se apresenta como uma produção criada para testar “os limites da música e da arte, lutando contra entropia musical”.
“É extremamente gratificante tomar conhecimento das diferentes leituras que os ouvintes fazem do meu trabalho. De fato, não há limite para o entendimento das letras, pois podem existir percepções completamente distintas do ponto de partida que eu adotei para as soluções poéticas. Essa discussão foi particularmente rica no episódio do podcast “Sonzeira da Massa” sobre o Cadáver Pega Fogo Durante o Velório. Valeu mesmo, pessoal”, disse Fernando Pellon.
O site conversou com os integrantes do Sonzeira da Massa, Henrique Silveira, Jean Marcus e Mabel Nogueira. Veja a seguir o que eles disseram na nossa entrevista:
Pergunta – Como o Sonzeira da Massa descobriu o compositor Fernando Pellon?
Jean: Eu fui responsável por trazer o Fernando Pellon para o nosso radar justamente por conta do álbum “Cadáver pega fogo durante velório.” Eu conheço o álbum desde a adolescência, por volta do fim da década de 1990. Música naquela época chegava na gente meio que por osmose. Um amigo de um amigo de um amigo… O título e a ligação com o jornalismo marrom foi o que mais marcou esses adolescentes que trocavam vinis e k7s (fitas cassete). Desde então eu sempre ouvi esse álbum. Mas quando começamos o podcast nós fizemos uma apuração mais profunda e entendemos o Fernando Pellon num contexto mais amplo.
Pergunta – O que chamou a atenção nas composições do Pellon? E por quê?
Henrique – A composição chamou atenção, todas ligadas com samba, partes instrumentais bem escritas e com uma variação de instrumentos que realça a variação de subestilos. E mais importante, as letras. Todas elas com temas sensíveis e relativamente próximos à vida cotidiana das pessoas, mas expostas de maneira vulgar e irreverente como se não fosse nada fora do comum.
Mabel – As letras mórbidas com as melodias quase chico buarqueanas geram um contraste interessante e atrativo porque você não sabe o que virá a seguir e é instigante. Sobre “Cadáver pega fogo durante velório”, especificamente, fiquei muito surpresa como o enredo foi se desenvolvendo e com músicas de caráter “normal” com as letras mais intensas e como essa conjuntura dita todo o andar da obra.
Jean – Para mim com certeza é a justaposição das músicas extremamente populares, que trazem expectativas de temas e linguagem específicos, com as letras extremamente constrangedoras. Você espera uma música de amor em “Porta afora”, e você tem uma música de amor, com um twist. Tudo tem um twist que parece que está levando a música para as últimas consequências, meio Shiva.
Pergunta – O disco “Cadáver pega fogo durante o velório” completou 40 anos e continua sendo tratado como icônico. Como surgiu a ideia de dedicar a ele um episódio do podcast?
Mabel – O álbum instigou a todos do podcast a começar pelo nome, que é um “não convencional” que geralmente gostamos muito. Já conhecíamos partes das letras também e a partir daí decidimos fazer o episódio sobre.
Henrique – O nome do álbum já é bem cativante e já sabíamos mais ou menos como eram algumas letras, então todo esse tema inusitado nas músicas pareceu bastante interessante e digno de um episódio.
Jean – Desde que criamos o podcast eu já queria fazer uma resenha do álbum. Eu ouço “Cadáver pega fogo durante velório” com muita frequência! Uma vez por mês resenhamos um álbum que consideramos importante para música como um todo e definitivamente “Cadáver pega fogo durante o velório” é um desses álbuns. Daí foi natural ser uma das resenhas.
Pergunta – Valeu a pena a produção do episódio para falar da obra de um compositor independente e pouco conhecido do grande público? Por quê?
Jean – Absolutamente! Para mim foi incrível apresentar Cadáver pega fogo durante o velório”, com mais cuidado para o Henrique e para a Mabel, e, consequentemente, apresentar para os nossos ouvintes. Eu acho que Fernando Pellon tinha que ser conhecido e celebrado por muito mais pessoas e poder usar as redes e tudo mais para fazer isso acontecer foi ótimo. Acho que o tipo de coragem e sagacidade que o Pellon traz em suas composições precisa ser mais incentivado, e, portanto, mais pessoas precisam ouvir Pellon. Não só “Cadáver pega fogo durante o velório”, mas também os outros álbuns.
Mabel – Com absoluta certeza, pudemos explorar um pouco mais sobre a vida do compositor que também conhecíamos muito pouco, além de nos conectarmos mais com a obra.
Henrique – Certamente valeu muito a pena! Ter encontrado uma obra tão singular com tanto valor já é interessante. Poder discutir as músicas e apresentar um compositor que fez uma sonzeira da massa para mais pessoas faz valer ainda mais ter feito o episódio.
A seguir o link para a resenha “Cadáver pega fogo durante o velório”
https://open.spotify.com/episode/1cuNOOeDbx8BU7QBoyW0x4?si=30a2a3fcc5de4667
Acesse, você vai gostar desse episódio do Sonzeira da Massa!