Há 40 anos, depois de ouvir as músicas do LP “Cadáver pega fogo durante o velório”, e convidado pelo produtor Roberto Moura para escrever o texto da contracapa, o crítico musical Tárik de Souza afirmou que o compositor Fernando Pellon, com as suas canções, ia chocar a hipocrisia generalizada vendida como rótulo de bom gosto e status.
“Quem quiser que se assuste com Pellon, que também recobra tradições estabelecidas por arautos das campas tão divergentes quanto Nelson Cavaquinho e Vicente Celestino”, escreveu Tárik de Souza na ocasião.
“O trabalho do Pellon é muito diferente de tudo o que rolou e rola por aí”, comentou o cantor e violonista Paulinho Lêmos (foto). Lembrando que o texto de Tárik de Souza fazia um alerta importante a respeito da produção musical no Brasil, no início dos anos 80. “Artificialmente limpa pelo processo Olivetti de tecladismo estéril, a MPB ultimamente não tem correspondido à violência do país que a produz”, ressaltou o colunista, em uma clara referência ao período sombrio em que o país vivia sob o regime de ditadura militar (1964-1985).
Realidade
Nesse contexto, surgiu o disco “Cadáver pega fogo durante o velório”, com Fernando Pellon quebrando regras, colocando os dedos nas feridas, inclusive sendo censurado pelo regime. “O especial desse trabalho é cantar a verdade, sem rodeios e sem disfarces. Tá tudo lá, nu e cru. Não é especial para todos, mas para quem vê a realidade de forma clara, transparente”, disse Paulinho Lêmos, parceiro de Fernando Pellon na música “Tal como Nazareth”.
A parceria entre Paulinho Lemos e Fernando Pellon nasceu no início dos anos 80, quando os dois fizeram parte do coletivo de compositores Malta da Areia.
“A música ‘Tal como Nazareth’, talvez tenha sido uma das nossas primeiras parcerias. Lembro-me que logo de saída incluí na introdução uma citação da música ‘Odeon’ de Ernesto Nazareth e a composição fluiu, na minha opinião, dentro do mesmo espírito. A importância desse trabalho é incomensurável”, afirmou Paulinho Lêmos.
Privilégio
Paulinho Lêmos recordou que “Cadáver pega fogo durante o velório” foi o primeiro registro discográfico da dupla, quando os amigos e parceiros estavam no “limiar” dos 20 anos de idade. “Isso tem um valor muito grande para mim. E ser parceiro do Pellon é um verdadeiro privilégio”, ressaltou.
“A minha mensagem para aqueles que elogiam o disco é de agradecimento e para o público que ainda não o conhece digo que vale à pena conhecer essa joia rara da MPB. Não é todos os dias que ouvimos alguém cantar ‘Quando eu soube que estava canceroso’. Ou ‘Disfarça e olha, um homem acaba de ser atropelado’. Ou, então, ‘Ouvi dizer que o amor é como certos casos de lepra’, e por aí vai. No mínimo um diferente ‘punk brasileiro’, com outras características”, concluiu Paulinho Lêmos.