O compositor Fernando Pellon (https://fernandopellon.com.br/) será o personagem do audiodocumentário “A voz do morto” do podcast “Histórias vizinhas” do podcaster e roteirista mineiro Felipe Ivanicska. Lançado em 2018, o trabalho é derivado de uma pesquisa independente sobre documentários em áudio que ele iniciou em 2013.
Felipe conta como ficou atraído pelo trabalho musical do compositor, cuja obra ele conheceu por meio do seu professor de violão Eduardo Pinheiro. De início, o mestre queria que ele ficasse atento aos arranjos. Mas ele também ficou muito empolgado com as letras e as histórias contadas nas composições de Fernando Pellon, e, desde então, passou a mergulhar no seu universo musical.
Nesta entrevista, o nosso convidado fala sobre a proposta do projeto “Histórias vizinhas”, e revela por que resolveu criar o episódio “A voz do morto” especialmente para tratar da narrativa poética de Fernando Pellon. Você vai curtir essa história. Boa leitura!
Pergunta – Como você descobriu que Fernando Pellon é compositor?
Felipe Ivanicska – Foi o meu professor de violão Eduardo Pinheiro que me apresentou o trabalho musical dele. Na época (2012), eu estava caminhando para tentar ser sound designer, compositor de trilhas, curtindo muito ouvir canções bem-feitas, e essa jornada acabou desaguando nos podcasts. Acho que ele queria que eu ouvisse mais os arranjos, o instrumental, mas eu fiquei “rachando” com as letras e suas histórias. Ao longo dos anos, ouvindo e reouvindo, eu fui depurando como são bem construídas as letras e histórias do Pellon, com uma elaboração muito precisa, sem perder o humor e a crítica.
Pergunta – O que lhe chamou a atenção nas músicas que você ouvia?
Felipe – Gostei muito das narrativas, achava engraçadíssimas e pungentes ao mesmo tempo, mexia com a barriga tanto pra dançar, para fazer rir, quanto o embrulho no estômago de ver como são reais e pertinentes no Brasil todas aquelas questões. Sempre gostei muito desse humor mais irônico e sutil, tipo Monty Python, Douglas Adams, Terry Pratchett, Firesign Theater, Mazzaroppi, os filmes daquela turma Zucker-Abrahams-Zucker (“Apertem os cintos o piloto sumiu”; “Corra que a polícia vem aí”; “Top Gang” etc).
Pergunta – Fernando Pellon é mestre em misturar humor e a verdade nua e crua nas suas composições. É isso que lhe atrai?
Felipe – A parte da lírica e poesia também é fenomenal, inclusive acho que a frase “amor de verdade não tem jeito, tem que ser perfeito” (versos da música “Cicatrizes”, do disco Cadáver pega fogo durante o velório), é o resumo mais perfeito do cancioneiro brasileiro para falar da paixão obsessiva e idealizada.
Pergunta – Ele é um artista musical talentoso que não abandona a profissão de geólogo na qual é muito respeitado. Qual é a sua opinião sobre isso?
Felipe – Essa posição sociocultural do Pellon é muito interessante, porque realmente é a exceção que confirma a regra.
Pergunta – Como assim?
Felipe – O Tunico (amigo de Pellon e produtor musical) até me falou, em uma entrevista, que era uma questão encarada pela Malta (coletivo artístico Malta da Areia do qual Tunico e Pellon fizeram parte), já nos anos 80, de como se sustentar na arte. E o Pellon teve a oportunidade e a perseverança de investir primeiro numa carreira na área de ciências, que é outra de suas paixões, e que social e profissionalmente é mais valorizado, e só assim conseguiu voltar a investir na arte, o que seria muito difícil de outra forma no Brasil.
Pergunta – Fazer música independente no Brasil ainda é muito difícil?
Felipe – A maioria dos músicos com quem convivo, incluindo minha esposa Priscila Norberto, que é flautista, tem que se desdobrar em vários shows, ou então fazer algo muito ligado a correntes coletivas muito fortes, tanto no segmento alternativo quanto no mais popular.
Pergunta – O compositor independente tem que fazer para sobreviver da sua arte?
Felipe – É fazer muito marketing e contatos para se manterem. Enquanto isso, Pellon me parece ter plena tranquilidade e aceitação que pode ter uma perspectiva diferente, nem melhor nem pior, o que de forma alguma afeta sua obra em si. Sem dúvida, facilita muito a produção, mas que não é “contaminada” por nenhuma concessão ou mudança ou pasteurização na mensagem e na obra em si.
Pergunta: Como surgiu a ideia de dedicar a ele um episódio do podcast “Histórias vizinhas”?
Felipe – O projeto para o “Histórias vizinhas” tenta amarrar diversos recursos e possibilidades que tenho com os temas e assuntos tratados ali. Ou seja, coisas que consigo produzir sozinho, sem nenhuma renda gerada pelo podcast em si. A princípio, investindo no tempo que eu tenho a meu favor, para mergulhar nas histórias, pesquisas, gravar com calma, editar com mais calma ainda, refinando o som, até que a história esteja pronta para ser contada. Resumindo, eu não tenho recursos de grana ou equipe para produzir rápido, mas tenho tempo para produzir bem.
Pergunta – Nesse contexto, a obra e a trajetória do compositor são os componentes que lhe inspiram e mantêm a sua motivação?
Felipe – Primeiramente, a produção musical do Fernando Pellon é um trabalho que eu amo, então ter a motivação de algo que se gosta é importante para manter o foco. Ao mesmo tempo, acredito que a obra dele tenha uma mensagem maior que não é só porque eu gosto, mas que pode sim dialogar com públicos mais diversos que tenho vontade de acessar e expandir. Isso, porque, depois de 10 anos estudando e experimentando áudio, e cinco produzindo sozinho, já tenho bastante portfólio, projetos selecionados em editais e festivais, e quero agora fazer o podcast ser autossustentável de alguma forma, o que envolve sair “do que eu gosto” e dialogar mais, expandir audiência.
Pergunta – E como anda a produção do episódio?
Felipe – Honestamente, o desenho de produção sobre um episódio sobre o Pellon também foi uma escolha possível para mim, porque fiz uma primeira pesquisa bem extensa, e vi que com poucas entrevistas já conseguiria falar do que é mais específico e pessoal dele. E o resto eu conseguirei expandir com pesquisas em casa de coisas mais “acadêmicas”, em referências como samba, compositores e poetas “malditos” e marginais. Além da corrente de outras músicas que fazem críticas sociais irônicas, e até esse aspecto sociológico da pergunta anterior comparando as carreiras artísticas brasileiras e a do Pellon.
Pergunta – A gravação do audiodocumentário está em andamento?
Felipe – Eu gravei (entrevistas) com Pellon e o Tunico Frazão na época do lançamento do álbum “Medula & Osso”, no feriado do Dia do Trabalhador, no Rio, em maio de 2023. Porém, eu já estava desde 2021 envolvido com a Paibola (https://www.instagram.com/paibolabarreiro/ e https://open.spotify.com/show/7juweBdiiziJIj5yrlyR4F ), um projeto que eu havia aprovado em um edital municipal de Belo Horizonte, que acabou me consumindo completamente e só foi finalizado em novembro de 2023.
Pergunta – O projeto já tem uma data prevista de lançamento?
Felipe – Em novembro do ano passado, consegui terminar o primeiro tratamento do roteiro, mas agora que vou mergulhar na edição. Acontece também que faço a pesquisa com muita calma, então, às vezes, descubro um tema e mergulho até o fim, como um livro novo sobre o lendário produtor Pelão (João Carlos Botezelli), que li de cabo a rabo. Minha meta é finalizar o episódio do Pellon nos próximos três meses! Obra de igreja, como diz o próprio doutor Pellon!
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