O público que for ao Sesc Belenzinho, em São Paulo, na próxima sexta-feira, 23 de março, vai poder conhecer a aura poética e transgressora que é a marca das composições de Fernando Pellon. O compositor se apresenta ao lado do parceiro Paulinho Lêmos, para cantar as músicas do primeiro disco da dupla “Cadáver pega fogo durante o velório”, gravado em 1983.
O show terá entre os convidados especiais a cantora e compositora Fátima Guedes, cuja primeira parceria com o autor foi em 2016 quando ela participou da gravação do CD “Moribundas vontades” (o terceiro da carreira de Pellon), como intérprete das músicas “Ronda carioca” (Fernando Pellon e Paulinho Lêmos) e “Mantra de samba (Augusto dos Anjos e Fernando Pellon).
Fátima Guedes participou também do evento de lançamento do CD, no Bar Semente, em outubro de 2016, no Centro do Rio. E agora foi convidada novamente por Fernando Pellon para juntar-se a ele no palco e interpretar músicas do seu primeiro disco, cujo lançamento só ocorreu meses depois de gravado, devido ao veto da censura do regime da ditadura militar (1964-1985). Ela diz ter criado uma grande afinidade com o compositor:
— Fernando Pellon é um artista ímpar, um compositor popular que observa uma estética muito próxima ao admirável poeta brasileiro Augusto dos Anjos. Humor negro de bom gosto que diverte e faz pensar. Eu adoro, declarou Fátima Guedes.
Quem também estará ao lado de Fernando Pellon e Fátima Guedes nesse evento é Douglas Germano, um dos mais elogiados sambistas de São Paulo e que disse ter ficado surpreso e feliz com o convite para participar do encontro musical que marca os 35 anos de gravação do LP “Cadáver pega fogo durante o velório”:
— Conheci o LP em meados dos anos 80. Eu tinha um amigo, que era meu vizinho, cujo pai comprou o disco e o tocava meio que pra fazer galhofa com a molecada. Eu tinha uns 15 anos na época. Achei curioso, engraçado e a partir dali, sempre que via minha mãe batendo um bife na tábua, me lembrava da cena de atropelamento de “Carne no jantar” (4ª faixa do disco, lado A). Não sabia quem era o autor. Na adolescência você dá pouca atenção a muitas coisas. Só conhecia o Nadinho da Ilha e a Cristina (Buarque de Holanda), disse Douglas Germano.
Douglas contou que quando já era adulto se deparou com o disco que Cristina Buarque fez com as composições de Wilson Batista. Uma delas é o samba “Diagnóstico” que o remeteu, imediatamente, “à memória adolescente daquele disco do atropelamento”.
— Fui atrás (do disco) e ouvi tudo como deve ser. Pensei comigo: esse cara aqui pegaria o paciente de “Diagnóstico” do Wilson e contaria a história pós-consulta. A saudade que vira angústia, rancor, úlcera e um fim de vida cheio de remédios. Como são tantos enfim, recordou o sambista.
Para o sambista paulistano, Fernando Pellon “é o samba com fratura exposta. E melhor: em nossa perna ou braço”:
— Ele nos deixa moribundos tentando ler sem foco a manchete do jornal que cobre o nosso rosto nos segundos finais. É nossa ânsia de vida curiosa por saber da morte e experimentá-la sem ela. Criou uma obra que não é dele, é para nós incrivelmente intrínseca. Arte bruta! Porque a vida não basta. É um privilégio, uma honra participar deste show.
A produção desse encontro musical para celebrar os 35 anos de gravação do disco “Cadáver pega fogo durante o velório” é do pesquisador e produtor Fábio Giorgio. O show terá ainda a participação de Marcelo Pretto, e conta com arranjos e direção musical de Jayme Vignoli.