Com a proximidade do carnaval, Fernando Pellon e a esposa Lili Rose já iniciaram a agenda dos festejos de Momo, onde, há muitos anos, nessa época, frequentam os desfiles promovidos por alguns dos blocos que realizam os eventos carnavalescos mais irreverentes da cidade do Rio de Janeiro.
Aproveitamos o clima do carnaval, que faz parte do cotidiano da família do compositor, para dar prosseguimento à série “A história por trás da música”, contando como nasceu o samba-enredo “Loucos varridos ou Torquato & Walter passeiam na rua do Aldir”.
Esse samba é uma das faixas do álbum “Moribundas vontades”, que Fernando Pellon lançou em outubro de 2016. Nasceu em homenagem ao compositor Aldir Blanc, que à época, foi o enredo do bloco carnavalesco Nem Muda Nem Sai de Cima, do bairro da Muda, onde o próprio Aldir morou, por longos anos, no Rio de Janeiro.
“A motivação inicial veio de um enredo do bloco ‘Nem Muda Nem Sai de Cima’, que mencionava o tema da loucura. O bloco saía na Rua Garibaldi, na Muda da Tijuca, onde morava na época o Aldir, o qual, por sua vez, era psiquiatra”, lembrou.
Admiração por Torquato
Ele conta que fez uma conexão com um texto do compositor e poeta Torquato Neto, a quem ele admira, publicado em setembro de 1971, na coluna “Geleia Geral” que Torquato assinava no extinto jornal carioca Última Hora: “Onde é que você mora, em que cidade escondida, em que muda, qual Tijuca? Lá também quero morar”.
Quando recordou o que o motivou a compor o samba ele contou que ao ler o texto vieram à sua memória, também, alguns versos do poema “Literato cantábile”, de autoria de Torquato Neto, onde se lia: “os pássaros sempre cantam nos hospícios”.
“Na ocasião, lembrei também de alguns versos da música ‘Pátio dos loucos’, que foi gravada por Walter Franco, no ano de 1973, como parte de seu disco intitulado ‘Ou não’. (O rádio, o tédio, a canção no asfalto, no alto falante). Lembro que este disco do Walter incluiu a genial ‘Cabeça’, que foi finalista do VII Festival Internacional da Canção. Provavelmente, teria sido vencedora, caso o júri não tivesse sido destituído”, lamentou.
Fã de Aldir
Na época em que deveria ter apresentado o samba-enredo no concurso do bloco, Fernando Pellon viajava muito a trabalho como geólogo da Petrobras, e acabou não conseguindo participar do certame da escolha do samba que viria a embalar o carnaval do Nem Muda Nem Sai de Cima.
“Não tive, portanto, condição de apresentá-lo para o pessoal do bloco. Como gostei da letra e como sou fã do Aldir, Torquato e do Walter, achei bacana incluir a singela homenagem no disco ‘Moribundas vontades’. Fiquei muito feliz com isso”, revelou o compositor.
Fernando Pellon acha que a inspiração para reunir Aldir, Torquato e Walter em um samba foi maravilhosa.
“De certa forma, os três colocam esteticamente a questão da ‘loucura’ como contraponto à redundância/bom mocismo do gosto médio brasileiro, que asfixia a experimentação/evolução na música popular (é só lembrar o que aconteceu com ‘Cabeça’ no festival da canção). Como disse Torquato Neto: ‘Um poeta não se faz com versos, é o risco, é estar sempre a perigo’”.
Grande mestre
Fernando Pellon considera Torquato Neto o seu “grande mestre”, no que diz respeito à estratégia a ser contemplada no trabalho de composição, e cita uns versos do poeta.
“Ponha a boca no mundo: assim não é possível. Ou então feche o riso e aperte os dentes de uma vez. Ponha a boca no mundo: somente assim é possível, louca, qualquer coisa louca de uma vez”.
Quanto a Aldir Blanc, ele lamenta não ter tido a oportunidade de mostrar o samba para ele. “Infelizmente, não cheguei a mostrar o samba para o Aldir. Imagino que ele curtiria o modo como o tema (a loucura) foi tratado”, ponderou.
Mas, e, aí, Fernando Pellon, você vai voltar a fazer samba-enredo? “Essa foi uma oportunidade única que se apresentou para mim. Como não estou vinculado a blocos carnavalescos, creio que este vai ser o último”, declarou.